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O meu presente de natal.

Tic tac. Tic tac. Tic-tac.
O tempo passava. O tempo sempre passa, ele não pára, ele não espera, ele não atrasa, ele não falha e você já está cansado de saber disso, então vou me calar. Uma vez por outra, em alguma data comemorativa, eu saio na rua e me sento em qualquer lugar, para observar as pessoas e os efeitos que o certo 'dia especial' causa nelas. Esta análise é uma das que mais gosto de fazer. Sempre sai algo de novo. Sempre aprendo alguma coisa. E sempre ganho mais certeza de que os seres humanos são todos iguais. Seja nas reações, seja na falta delas, você sempre vai notar o quão parecidos são os resultados pós-comemoração, de acordo com a data ocorrida.
Certa vez, eu escolhi o 'glorioooso' natal, tendo a certeza de que seria um 'lição' inesquecível. Afinal, com toda essa publicidade, esse famoso 'espírito natalino', etc, etc, etc, o natal não poderia me desapontar e não corresponder às minhas expectativas.
Andando pela cidade, eu procurava algum ambiente agrádavel para passar o meu natal. Como eu não tinha parentes próximos, namorada ou algum melhor amigo, comecei a passar meus natais sozinho em qualquer lugar. Normalmente, decidia por algum restaurante, alguma cafeteria, ou ficava em casa mesmo, assistindo Roberto Carlos na tevê.
Saí cedo da loja na qual eu trabalhava, fui para casa, tomei um banho, saí na rua, comprei um jornal e fui andando por aí, encontrei uma 'lanchonetezinha de esquina' nova, entrei. Em uma televisão grande eles transmitiam os especiais da globo, senti um agradável cheiro de peru vindo da cozinha e decidi ficar por ali. Sentei numa mesa do canto e comecei a ler meu jornal aconchegado em uma cadeira bem confortável acolchoada. Aos poucos, o local começava a encher de solteiros solitários como eu. Raramente, chegava um casal apaixonado e, uma única vez, entrou pela porta uma família inteira para passar o natal ali, como gente sozinha que nem eu. Escolheram uma mesa ao meu lado, atrapalhando um pouco a minha vista à tv. Estavam em um homem alto e careca (deveria ser o pai), uma mulher de uns 30 anos (deveria ser a mãe), uma outra um pouco velha (deveria ser a mãe do pai ou da mãe), dois adolescentes, um garoto de uns 18 anos, uma garota de uns 19, e uma criança, menina de uns 7 anos. Vinham todos felizes, exceto pela adolescente que aprentava estar emburrada, chateada com alguma coisa muito séria. Ricos não eram, notava-se pelas roupas que trajavam, mas o que não tinham no banco, tinham no coração, dando muito carinho e atenção uns aos outros, exceto, outra vez, pela adolescente. Não, ela não demonstrava ser uma bringuentinha egoísta, muito pelo contrário, pelo que me pareceu era uma garota muito alegre e, com certeza, não estava com aquela cara porque a mãe não comprara a sandália da capa da revista, nem porque brigara com o namorado, e muito menos por algo do tipo, como ter perdido a vez no banheiro para o irmão, na hora de se arrumar. Eu não conseguia parar de tentar adivinhar o motivo daquela expressão em seu rosto.
Os sozinhos como eu, quase todos, estavam lendo alguma coisa ou ouvindo músicas em seus aparelhos de mp3. Os casais constantemente estavam de mãos dadas e sorriam abobalhados olhando nos olhos um do outro. E aquela família ria alto e conversava feliz, exceto, claro, por ELA, como sempre. Às 00:00h serviram a ceia, não para cada mesa uma particular, e sim em pratos correspondentes ao número de clientes do local. Enquanto os 3 garçons da lanchonete se movimentavam por ela, vi a moça se levantar e ir em direção ao banheiro, por um impulso levantei também e fui atrás dela, discretamente, deixando de disfarçar apenas a minha vontade de conhecê-la.
Em frente aos banheiros do lugar, feminino e masculino, havia uma pia de mármore com um espelho e toda enfeitada com flores coloridas, a garota lavava o rosto e olhava em seus próprios olhos no espelho grande à sua frente.
- Oi - tentei falar com ela. - Desculpe, não pude deixar de lhe notar. O que houve com você? Parece tão ausente.
- Quem é você? Desculpe, te conheço de algum lugar? É que eu não tow te reconhecendo... - falava ela, não sei se me cortando, ou realmente na dúvida.
- Não, não nos conhecemos. Prazer, meu nome é Fábio - estendi a mão para apertar a da moça cujo nome eu ainda não sabia.
- O-oi, Fábio. Taís. - E fazia uma cara estranha. Parecia me achar algum estranho e querer se afastar --'.
E, para não perder a oportunidade, tentei puxar diversos assuntos com ela. Comentei sobre os meus natais, e sobre a curiosidade que a sua expressão me causara. Ela se sentou comigo à minha mesa e conversamos até umas duas horas da madrugada. De acordo com ela, seu natal estava sendo chato unicamente pela presença da família, forçada. Família que só se tratava bem por causa da data, e não porque realmente se gostavam como parecia. Com ela falsidade não rolava. "Você me salvou de mais um natal falso" dizia ela, sorrindo e olhando para mim.
Eu não conseguia crer no quanto fora fácil puxar assunto com Taís, parecia até que ela estava desesperada para se sentar em um outro lugar por qualquer motivo, e eu fui o único motivo que lhe apareceu. Mas isso não fez com que eu não quisesse passar o meu natal com ela, afinal, eu sempre passava sozinho. Um a mais, um a menos, não faria diferença.
Às 2:00h a família de Taís foi embora. Ela foi junto se despedindo com um sorriso sincero. Dissera para os pais que eu era um grande amigo do colégio e assim pudera mudar a minha forma de comemorar 'o nascimento de jesus', o que nunca fora nada de especial para mim.
Hoje, faz um ano que isso ocorreu. Muita coisa mudou de lá para cá. Continuo a ficar escondido observando e analisando as pessoas, sim. Mas não passo mais nenhuma data sozinho, desde que conheci Taís.
E ao som do 'tic-tac' do meu relógio da sala, espero Taís descer arrumada. Há uns 2 meses ela viera morar comigo. Estamos namorando já faz uns 9. Só assim para eu, mais uma vez, salvá-la da 'família falsa' com a qual ela convivia por necessidade. Vamos comemorar nosso natal em uma outra lanchonete, mas, dessa vez, como mais um daqueles raros casais apaixonados de mãos dadas e sorrindo abobalhados olhando nos olhos um do outro.

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