Se na primeira não der, tente outra vez.

Mirela esfregava as mão suadas na toalhinha que trouxera de casa, enquanto olhava as horas em seu relógio de pulso. Já fazia quase um dia inteiro que ela estava naquele hospitalzinho. Omar ainda não recuperara a consciência desde o acidente na fábrica onde ele trabalhava montando bicicletas. Um incêndio.
- Um bendito incêndio! - Sussurrava Mirela, passando a mão na testa do hospitalizado. Nenhuma queimadura séria, apenas um tombo feio, uma batida forte na cabeça, a perda da consciência instantaneamente.

Eles moravam em uma cidade pequena, simples e com poucos moradores. O incêndio, em nada mais do que alguns minutos, já estava na boca de todos da cidade.
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Aos poucos, Omar conseguia escutar o barulho que os aparelhos da sala não paravam de fazer. Ia notando uma claridade que lhe pedia para abrir os olhos. Ao fazer isso, encontrou Mirela à sua frente. Um sorriso nunca visto antes em seu rosto surgiu. "Meu amor...", ela sussurrava ao vê-lo acordar.
O médico dissera que Omar estava bem. Que nada de grave havia acontecido, e que em menos de uma semana ele já poderia voltar para casa. Depois dessa notícia que deu à esposa do paciente uma sensação estranha, o médico pediu que ela fosse embora e que descançasse um pouco.
Mirela entrou na sala de casa com os pés sujos, jogou a chave de lado, sentou exausta em qualquer cadeira e começou a pensar no que faria agora já que o marido não corria mais risco de morte. Ultimamente, não vinha se sentindo satisfeita em ser casada com aquele homem. Ele não a fazia feliz, não dava atenção a ela, estava sempre ocupado com outras coisas. E Mirela tinha um ciúme doentio. Não podia ver Omar conversando com outra mulher sem sentir seu corpo ser dominado por uma raiva enlouquecedora.
Apesar de Omar ter um trabalho simples, no banco uma grande herança estava esperando só pela morte do homem para sair. Omar era de família rica, mas era um homem humilde e nunca quisera tocar no dinheiro que herdara dos pais. Quando o incêndio aconteceu, Mirela não conseguiu evitar e felicidade que tomou seus movimentos. Tentou disfarçá-la. Tentou fingir que aquilo tinha sido uma tragédia, quando na verdade, por dentro, se sentia a mulher mais sortuda do Mundo.
E, como o médico havia dito, em menos de uma semana seu marido voltou para casa. Nessa semana que ele passara fora, Mirela sentiu novamente a sensação de liberdade que não sentia há anos. Não podia deixar que o quase falecido marido lhe prendesse mais uma vez. Então, aproveitando-se da ingenuidade do povo da pequena cidade, teve um idéia para dar fim a Omar.
Mirela preparou uma sopa e acrescentou à sua receita vidro esfarelado, que havia passado um bom tempo amassando na cozinha com um martelo de amassar bife. Levou ao quarto, onde seu querido maridinho estava deitado e foi toda carinhosa oferecendo-se para dar-lhe a sopa na boquinha.
- Ow Mirela, que gentileza. Você não é assim comigo. O que eu houve?
- Que é isso Omar! Sei lá, depois do incêndio e do que eu passei com o medo de te perder, acho que virei uma outra pessoa. Toma, a sopa está uma delícia.
Em seu rosto surgia uma espressão fantasmagórica e, ao mesmo tempo, prazerosa. Provocar a morte do marido nunca havia parecido tão excitante para alguém.
Mirela ficou quieta, calada. Ficou na sua, à espera de algum resultado.
Quando Omar começou a vomitar sangue, notou surgir outro sorriso nunca visto antes no rosto da esposa. Um sorriso tão sinistro quanto novo, discritivelmente o contrário daquele outro.
Omar foi levado ao hospital e aquele mesmo médico informou à triste mulher, que chorava falsamente no corredor, que agora ela era viúva. Aparentemente, ele não havia feitos exames complexos, apenas usado os sintomas para tomar alguma conclusão.
- Mas o que ele teve doutor?
- Apendicite.
Tudo funcionou como ela esperava funcionar. Claro que não fora apendicite. Claro que o médico era incompetente e preguiçoso.

Claro que...

1 comentários:

Lucas Xavier de Melo disse...

Bem trabalhado, tanto o crime da personagem e seu perfil psicológico, quanto o texto como um todo. É excelente você ir tentando analisar personagens complexas ao logo de um texto que não só foi bem escrito, como contendo um enredo bem acabado.
Também ficou legal o final, um tanto quanto, sugestivo.
E...

Claro que eu gostei.

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